Há muitos anos nas estrelas.




Esta é Sylvia Orthof. Se você nunca ouviu falar dela, não se sinta culpado. Parece que nosso país tem o dom de esquecer seus gênios e, consequentemente, não propagar seus feitos às novas gerações. 

Sylvia é autora de livros infantis, mas que encantam igualmente jovens e adultos e foi graças a ela eu descobri a leitura como uma atividade prezerosa ainda na infância. Foi com ela também minha primeira "decepção literária". Mas, deixa eu explicar isso... 
Quando ganhei minha primeira coleção de livros infantis, não fiquei tão animada assim, porque o que eu queria mesmo era uma Barbie grávida (sim, podem rir). A coleçãozinha ficou meio que à toa, até que eu decidi pegar um dos livrinhos pra folhear. Lembro do primeiro conto de Ana Maria Machado que li: Beijos Mágicos. Como a historinha foi legal, de vez em quando eu voltava na caixinha e pegava outro livrinho, foi aí que me deparei com  “Zoiúdo, o monstrinho que bebia colírio”. Achei o título engraçado e fui ler o livro. Fiquei encantada pela  criatura que era somente um par de olhos e pela forma que a história era contada. Sem perceber, pegar aqueles livrinhos antes de dormir tinha virado um hábito.  

Depois de um tempo,  percebi que as histórias que eu mais gostava de ler, as que me encantavam mais eram da escritas pela mesma pessoa: Sylvia Orthof.  Então, comecei a prestar atenção naquelas pequenas caixas informativas, geralmente  na parte de trás do livro, que fala sobre o autor e  vi que no dia faleceu em 24/07/1997. Na época eu tinha dez anos e isso tinha ocorrido há quatro anos atrás. Eu fiquei tão triste de pensar que ela não poderia mais escrever, não sabia explicar o que eu sentia naquele momento, mas eu fiquei realmente triste.
Já  faz quase faz quase quinze  anos que ela junto coma Fada Fofa, foi conhecer as estrelas. E eu me pus a procurar todos os seus livros. Queria muito que ela ainda estivesse aqui,  pra continuar me fazendo rir  com suas histórias fantásticas, cheias de bom-humor e criatividade. 


Expresso aqui minha paixão e admiração por essa mulher que fez  minha infância mais feliz e me fez descobrir a delícia da leitura. Obrigada, Sylvia!




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70 x 7: quando o sempre parece ser demais para nós.



Fiz uma lista, outro dia, colocando numa folha de papel tudo o que eu acho difícil na vida. Confesso, com toda a sinceridade, que ela ficou bem maior do que eu imaginava. Há tantas coisas na existência de um mortal  que machucam, que pesam, que doem...
E, sem dúvida, uma das coisas difíceis entre as mais difíceis é perdoar. Perdoar de verdade. Não apenas com os lábios, mas do fundo do coração. Perdoar por inteiro e não com restrições: "Perdoo, mas não esqueço... perdoo, mas já não confio em você"...
Quando se trata dos outros, que estão com o coração ferido, com a alma magoada, é fácil aconselhar: "Não ligue... passe por cima... esqueça...perdoe...". Mas, quando somos  nós as vítimas, quando os nossos calos foram pisados, quando é o nosso amor próprio que foi atingido, o problema muda de feição e temos dificuldade de perdoar.
São Pedro perguntou para Cristo: "Quantas vezes devo perdoar... umas sete vezes?" A resposta do Mestre veio pronta; "Sete vezes setenta". Trocando isso em miúdos, na linguagem do Evangelho, perdoar sete vezes setenta significa: perdoar sempre. E sempre, as vezes é demais para nós.
Além do Evangelho, a própria natureza nos ensina a perdoar. Existe uma árvore chamada sândalo. Dizem que o sândalo tem um coração tão nobre e generoso, que chega a perfumar o próprio machado que o fere, que o derruba. Quem dera eu fosse assim!



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Os poemas que amo: Conta e tempo





Deus pede estrita conta do meu tempo, 

E eu vou, do meu tempo, dar-lhe conta; 

Mas como dar, sem tempo, tanta conta,
Eu que gastei sem conta tanto tempo?

Para dar minha conta feita a tempo, 

O tempo foi me dado, e não fiz conta.

Não quis, sobrando tempo, fazer conta, 


Hoje quero dar conta, e não há tempo.


Ó vós, que tendes tempo sem ter conta, 

Não gasteis vosso tempo em passatempo. 

Cuidai, enquanto é tempo em vossa conta.

Pois aqueles que sem conta gastam tempo, 

Quando tempo chegar de prestar conta, 

Chorarão, como eu, o não ter tempo.

(Frei Antônio das Chagas)
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As crônicas que amo: O Tempo e as Jabuticabas




'Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver  daqui para frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquela menina que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ela chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.

Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos.Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos para reverter a miséria do mundo. Não quero que me convidem para eventos de um fim de semana com a proposta de abalar o milênio.

Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir estatutos, normas, procedimentos e regimentos internos. Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas,  que apesar da idade cronológica, são imaturos.

Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões de 'confrontação', onde 'tiramos fatos a limpo'. Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral.

Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: 'as pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos'.

Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa...

Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos lizados, e deseja tão somente andar ao lado do que é justo.
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse amor absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo.'

O essencial faz a vida valer a pena.

Rubem Alves


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Dos poemas que amo: Profundamente

Quando ontem adormeci
Na noite de São João
Havia alegria e rumor
Estrondos de bombas luzes de Bengala
Vozes, cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas.

No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões
Passavam, errantes

Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras acesas?

— Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
Dormindo
Profundamente.
***

Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci

Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô

[...]
Onde estão todos eles?
— Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.


Manuel Bandeira 
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