Esta é Sylvia Orthof. Se você nunca ouviu falar dela, não se sinta culpado. Parece que nosso país tem o dom de esquecer seus gênios e, consequentemente, não propagar seus feitos às novas gerações.
Fiz uma lista, outro dia, colocando numa folha de papel tudo o que eu acho difícil na vida. Confesso, com toda a sinceridade, que ela ficou bem maior do que eu imaginava. Há tantas coisas na existência de um mortal que machucam, que pesam, que doem...
'Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquela menina que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ela chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Quando ontem adormeci
Na noite de São João
Havia alegria e rumor
Estrondos de bombas luzes de Bengala
Vozes, cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas.
No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões
Passavam, errantes
Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras acesas?
— Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
Dormindo
Profundamente.
Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci
Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Onde estão todos eles?
— Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.
Manuel Bandeira